com um leve tremor de frio.
O sonho me levou ao passado —
a um menino.
Voava entre a infância e a puberdade,
tentando ganhar altura.
De alma inquieta,
personalidade forte,
era apenas um menino:
cabelos negros como a noite,
pele alva como a alvorada,
tão magro, quase etéreo —
como se carregasse em si
apenas o sopro da vida.
Sério, mas terno,
intransigente,
seus olhos me perscrutavam
com a intensidade de quem guarda
um segredo —
algo ainda não revelado,
num tempo suspenso.
Um desapego ainda não conquistado,
ensaiava seu voo.
Em sua solitude,
o menino descobria o peso
de abandonar o ninho.
Durante o sonho,
ele apontava,
com seus dedinhos,
para algo atrás de mim —
como quem diz:
___ “Preste atenção...
Vê? Aqui está o que precisa limpar.”
E insistia —
com seu dedinho,
silencioso, mas insistente.
Sua mãe —
jovem senhora de cabelos claros —
atenta a tudo,
mas distraída nos detalhes.
Alguém gritava,
ecoando palavras de agente,
num tom profético:
o futuro do menino
já estava escrito...
Ela queimava papéis,
e colocava uma pedra por cima,
como se enterrasse
um segredo —
talvez um sonho —
sem perceber
os véus que cobriam
as feridas do menino.
Mas ele,
mesmo assim,
era uma fênix —
feridas que não se curam
sem antes se abrasar,
sem antes aprender
com a vida
a se desapegar.
Aceitar,
no entanto,
que tudo tem seu tempo,
que nada se prende para sempre —
e que a vida se solta
em voo de liberdade
quando menos se espera.
Abri os olhos,
e o sol se esgueirava
pelas frestas da janela,
como se viesse correndo
para me aquecer —
corpo e alma.
Talvez tenha significado para você?
Para mim,
é a lembrança
de que, mesmo
nas madrugadas mais frias,
sempre há a promessa
de um novo amanhecer.
E percebo —
entre as teclas e os suspiros —
que o tempo segue seu ritmo,
ainda que, às vezes,
me pareça sem sentido,
pulsando entre o que escrevo
e o que ainda espero.
Ele sopra —
uivante com os ventos —
nos lembrando,
como o menino no sonho,
de que, mesmo que eu escreva,
o tempo não espera.
Ele passa,
escorre pelos vãos da vida,
levando consigo
pensamentos,
sonhos,
desejos —
e a quimera
de quem não soube se desapegar.
Na esperança,
apenas,
de que, como libélula,
ele pouse um dia
em minha pequena janela,
trazendo a paz do desapego,
a renovação,
e a leveza de quem, enfim,
aprendeu a voar.
E como num sopro sublimar,
o menino repousou —
no leito refeito —
e, em silêncio,
se acalmou...
By MângelaCastro - 03/06/2025